Ana Clara Brant Localizados até em aldeias indígenas e quilombolas, os pontos de cultura, gerenciados pelos próprios artistas, são exemplos para outros países Descortinar um Brasil desconhecido era a proposta do historiador e escritor Célio Turino quando idealizou, no começo da década de 1990, os pontos de cultura. O projeto que visava democratizá-la a toda a população brasileira tomou forma e se tornou um dos pilares do Programa Cultura Viva do MinC e, após quase seis anos de implantação em todo o país, tornou-se referência inclusive para outros países. Claro que há muito por fazer e que a dívida dos governos é grande para a cultura brasileira. Mas não deixa de ser um começo. “O eixo do programa é o fortalecimento da autonomia e do protagonismo da sociedade. Entender que quem faz cultura são as pessoas. Não é o governo e nem o mercado. A cultura é a própria essência humana. O tripé desse projeto é a autonomia, o protagonismo e o poder social, articulados em rede”, resume Turino. Ele é secretário de Cidadania Cultural do MinC, e lança hoje o livro Ponto de Cultura – O Brasil de baixo pra cima, uma reunião de relatos pessoais das experiências vividas pelo autor, bem como o reflexo desse contato próximo dentro da sua trajetória como homem social e político. Os pontos agregam todas as formas de expressão como música, poesia, literatura, artes plásticas, dança, e cerca de 2.500, desde aldeias indígenas e quilombos, até grupos de experimentação em linguagens artísticas, estão espalhados por todo o país. Eles não têm um modelo único, nem de instalações físicas, de programação ou atividade. Um aspecto comum a todos é a diversidade cultural e a gestão compartilhada entre poder público e a comunidade. Para se tornar um ponto de cultura é preciso participar da seleção por meio de edital público – inclusive há um edital aberto até sexta-feira (www. cultura.gov. br/cultura_viva). O papel do MinC é agregar recursos e novas capacidades a projetos e instalações já existentes. “No meu livro falo muito disso. Desse trabalho de reconhecimento, de dessilêncio, de descobrir um Brasil que está escondido de nós. Não olhamos para nós mesmos, e sim para fora. A ideia do ponto de cultura é olhar para dentro e só depois olhar para fora. O ponto é isso. Num primeiro momento, não se cria nada. O que se faz é legitimar ações já existentes, mas que não eram percebidas e nem consideradas. Este é o segredo do programa ter crescido tão rapidamente”, acredita Turino Em todo o Distrito Federal, existem 18 pontos de cultura e um dos mais atuantes é o Menino de Ceilândia. Criado há 15 anos, em uma região carente de atividades e centros culturais, a associação oferece oficinas de frevo, musicalização, artes plásticas e cordel, além de apresentações artísticas para resgate e disseminação da cultura nordestina, na perspectiva de qualificação profissional e geração de renda. “Como aqui não havia nenhuma alternativa de fomento à cultura, a gente quis proporcionar alguma coisa para a população. Aí confeccionamos um boneco gigante, que é o Menino de Ceilândia e virou o símbolo do nosso bloco que desfila no carnaval. Mas, ao longo dos anos, realizamos várias atividades não só em função do bloco”, explica o criador da iniciativa, Aílton Velez. Há cinco anos, o projeto se tornou um ponto de cultura e, segundo Ailton, isso fez com o Menino de Ceilândia passasse a “caminhar com as próprias pernas”. Foi fundamental para que a associação se equipasse, tivesse mais condições de pagar os professores de oficinas e dessta forma oferecesse mais opções de atividades e, principalmente, tivesse uma sede própria. “Veio favorecer uma entidade que mal tinha um local para guardar seus objetos e equipamentos. Depois que viramos um ponto de cultura, passamos a ter uma sede. Demos um grande salto qualitativo e quantitativo. Eles pegam entidades como nossa, a reconhecem, fortalecem e ajuda a ter condições de andar com as próprias pernas. Nosso contrato está vencendo e vamos entrar no novo edital”, revela o fundador do Menino de Ceilândia cuja orquestra vai abrir, em Pirenópolis, no dia 18, o I Seminário Internacional Cultura Viva(1), que fará um balanço de suas ações, dentre as quais os pontos de cultura. Um dos beneficiados do Menino de Ceilândia é Hisnnefe Oliveira Leonardo, 8 anos, um simpático e curioso garoto do Setor O. Lá mora com a mãe, duas tias e o avô, que o levou para a oficina de música oferecida pelo projeto. “Eu ficava muito só em casa, sem nada pra fazer e aí meu avô me trouxe aqui para estudar flauta. Já estou tocando muita coisa, sei ler partitura e daqui a pouco quero aprender trompete. Mas eu não quero ser músico, quero ser bombeiro porque ele ajuda os outros”, revela. Além de aprender algum ofício, os alunos das oficinas podem utilizar o curso como uma alternativa de melhoria da renda, como no caso da oficina de construção de bonecos. “As peças que produzimos aqui não servem só para desfilar no carnaval, mas também para decorar a casa, comercializar”, destaca o professor Agnaldo Algodão, criador do boneco do Menino de Ceilândia. 1- ReflexãoO evento, que acontece entre os dias 18 e 20 de novembro, em Pirenópolis (GO), vai fazer uma reflexão crítica das diretrizes conceituais do Programa Cultura Viva, a partir da experiência vivida nos pontos de cultura e das outras ações do programa, visando à convergência entre os conhecimentos estruturantes e os saberes que emergem da experiência social. O seminário é promovido pela Secretaria de Cidadania Cultural do Ministério da Cultura em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). O número2.500É o número de pontos de cultura espalhados pelo país Menino de Ceilândia Desde 1995, o Carnaval da Ceilândia exibe com orgulho o bloco “Menino de Ceilândia”, fruto da dedicação de um grupo de imigrantes nordestinos decididos a manter sua cultura e tradições. O bloco é inspirado no carnaval de Olinda (PE) e seus bonecos gigantes. “Todo ano tem uma centena
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